“E Jesus tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles queriam. ”
João 6:11
Cristo, mediante seu exemplo, mais do que por meio de seu ensino, nos diz que sempre que assentarmos à mesa para a refeição devemos começar com oração. Pois aquelas coisas que Deus designou para nosso uso, sendo evidências de sua infinita benevolência e amor paternal para conosco, nos convoca a oferecer-lhe louvores. Ações de graças, como Paulo nos informa, é um tipo de santificação solene, por meio da qual o uso delas começa a ser puro para nós:
“Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças.”
1 Timóteo 4.4
Daí se segue que, aqueles que as deglutem sem pensar em Deus são culpados de sacrilégio e de profanar os dons de Deus. E esta instrução é a mais digna de atenção, porque diariamente vemos uma grande parte do mundo alimentando-se como bestas selvagens. Quando Cristo determinou que o pão dado aos discípulos se multiplicasse em suas mãos, instrui-nos que Deus abençoa nosso labor quando somos serviçais uns aos outros.
Sumariemos agora o significado de todo o milagre. Ele tem isto em comum com os demais milagres: que Cristo exibiu nele seu divino poder em união com a beneficência. É-nos também uma confirmação daquela afirmação por meio da qual ele nos exorta a buscar o reino de Deus, prometendo que todas as coisas nos serão acrescentadas [Mt 6.33]. Pois se Ele cuida dos que foram conduzidos a Ele, movido por um súbito impulso, como Ele nos abandonará se o buscarmos com um propósito inabalável e convicto? Aliás, é verdade que às vezes Ele permitirá que seu próprio povo, como já dissemos, sofra fome, porém jamais os privará de seu auxílio. E, enquanto isso, ele tem boas razões para não nos assistir até que a situação chegue a um extremo.
Além disso, Cristo claramente mostrou que não só outorga ao mundo vida espiritual, mas que seu Pai lhe ordenou também a nutrir o corpo. Pois confia-se às suas mãos a abundância de todas as bênçãos, para que, como um canal, Ele possa no-las comunicar, ainda que eu fale incorretamente, chamando-o de um canal, porquanto Ele é, antes de tudo, a fonte viva que emana do Pai eterno. Consequentemente, Paulo ora para que todas as bênçãos nos emanem, em comum, de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo [1 Co 1.3]. E, em outra passagem, Ele mostra que em todas as coisas devemos dar graças a Deus o Pai, por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo [Ef 5.20]. E este ofício não só pertence a sua eterna Deidade, mas inclusive em sua natureza humana, e até onde Ele assumiu em si nossa carne, o Pai o designou para ser o despenseiro, para que, por sua mão, pudesse nos alimentar. Ora, ainda que a cada dia nenhum milagre vemos diante de nossos olhos, todavia não menos sobejamente Deus exibe seu poder em nos alimentar. E de fato não lemos que, quando queria dar uma ceia a seu povo, Ele usava algum novo meio. Por isso seria uma oração inconsiderada se alguém pedisse que lhe fossem dadas comida e bebida através de um método inusitado.
Repetindo, Cristo não providenciou ricas iguarias para o povo, mas aqueles que presenciaram seu espantoso poder exibido naquela ceia foram impelidos a descansar satisfeitos com pão de cevada e peixe sem molho. E embora Ele não continua a satisfazer cinco mil homens com cinco pães, não obstante Ele não cessa de alimentar o mundo inteiro de uma maneira prodigiosa. E, sem dúvida, soa-nos como um paradoxo que o homem viva não só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus [Dt 8.3]. Pois estamos tão fortemente jungidos aos meios externos, que nada é mais difícil do que depender da providência de Deus. Daí suceder de tremermos tanto assim que percebemos não termos pão nas mãos. E se considerarmos corretamente cada coisa, nos veremos compelidos a discernir a bênção de Deus em todas as criaturas que são utilizadas como nosso sustento corporal. Mas o uso e a frequência nos levam a subestimar os milagres da natureza. E, no entanto, neste aspecto, não é tanto nossa estupidez como nossa malignidade que nos cria obstáculos, pois onde se acharia o homem que não prefira divagar em sua mente e a percorrer céu e terra centenas de vezes antes de buscar o Deus que se apresenta diante de seus olhos?
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